sábado, 21 de março de 2009

DOIS

Por Madalena S.

Acabei por sentar-me à mesa a saborear o azul-escuro da noite.
Não que tivesse fome ou vontade de comer mas lembrei-me de que o meu pai dizia “o comer e o coçar, tudo está no começar”.
Cocei-me devagar, com método, com rigor, arrancando as crostazinhas das borbulhas empoladas pelo calor e deixando a pele em carne viva em certas partes mais expostas do meu corpo coberto de escamas.
Fui debicando nos mirtilos amontoados na taça de vidro de Murano que comprámos no último dia da viagem de finalistas, eternos apaixonados naquele inverno em Veneza.
Já sobre a madrugada, abri uma garrafa de verdadeiro champanhe, com acentuado sotaque francês, e reguei com ele as begónias que cantavam à janela do escritório. Loucas, as begónias redobraram a cantoria até te acordarem. Vieste ajudar-me a acabar com os mirtilos.
Lá fora, começava o azul claro do dia.

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