domingo, 27 de junho de 2010

TREZE

Por Madalena S.

Breves
As palavras escorrem
E resvalam pela humidade dos sentidos.
Por um instante fugaz
Roçamos a perfeição.

DOZE

Por Madalena S.

Inventei-te ontem à tarde, a tempo de te deitares comigo, como se a companhia me fizesse falta.
Não fazia.
Teria passado bem sem ti, sem o teu cheiro a charuto húmido, e os teus dedos amarelos de nicotina a fugir sobre as teclas do piano, correndo em direcção à cauda, porque é de lá que vem o melhor som.
Teria passado bem sem o teu amargo de boca, mastigado sobre o sabor acre do rum velho que te queima a goela magra e te escorre pelo canto dos lábios, num lastimável fio de abandono.
Teria passado bem sem as tuas recordações de Havana velha, do cadillac de estofos vermelhos e das rameiras escuras a rabearem as garupas no Tropicana.
Teria passado bem sem ti e sem a revolução, sem os tiros e as barricadas.
Mas, nesse caso, quem me cantaria a Internacional?

sábado, 12 de junho de 2010

ONZE

Por Madalena S.

Uma pedrinha…
Duas pedrinhas…
Três pedrinhas…
À quadragésima sexta pedrinha já tinha o saco cheio e o peso deslocava-me a coluna e provocava-me escoliose.
O médico prescreveu-me fisioterapia e proibiu-me terminantemente de apanhar pedrinhas.
Quanto muito, para matar o vício, disse-me que podia apanhar uma ou outra pedrada.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

DEZ

Por Madalena S.

Caminho pelas ruas da amargura.
Nas pedras da calçada – salve a alma portuguesa! - em esquiços de negro basalto, revejo a tristeza dos meus fados. Do meu fado.
Na dobra da rua, no sopé das escadinhas, mirando o elevador que sobe e desce em canseira arfante, o homem das castanhas atiça as brasas do seu fogareiro de barro e grita – Quentes e boas! – e eu cobiço os climas pardos do Outono e continuo a caminhar pelas ruas da amargura.
Não há tempo para lavar os olhos, fechados pelo pó dos dias.
Não há tempo para perfumar as mãos, ásperas de esfregar as paredes nuas da consciência.
Não há tempo para sentir.
Cresce a amargura nas ruas e eu caminho cada vez mais depressa.

NOVE

Por Madalena S.

No final dos tempos seremos um só.
Até lá, teremos de puxar pela cabeça e inventar modos de nos suportarmos, como se o mundo nos achasse graça, assim tão rugosos e sem pelo, tão leves de espírito e grandiosos na passagem pela vida.
No final dos tempos seremos um só.
Mas antes, vamos digladiar-nos, e envenenar-nos com a cicuta mais amarga no fel de todos os dias, e atirar coisas à cabeça um do outro ao estilo do melhor cinema do neo-realismo italiano.
De Sica e Magnani. A preto e branco, que as cores têm vindo a fenecer e a desbotar as nossas almas.
Porém, no final dos tempos seremos um só.